O Egoísmo da Escrita

13:50

Foto: Dodie Clark
Sempre que me perguntam com o que trabalho e respondo que sou redatora e que trabalho com escrita, me sinto mentirosa. Não que eu não desenvolva essa função, porque, de fato, é isso mesmo o que eu faço todos os dias e é essa a atividade que me faz ganhar alguns Temers no início do mês. Claro que não estou aqui para falar sobre meu atual trabalho, longe disso. O meu objetivo é explanar um pouco mais sobre minha relação atual com a escrita - e a sua também, se for o seu caso.

Quando criança e pré-adolescente, qualquer folha em branco era sinônimo de texto e uma boa oportunidade de narrar o que estava à minha volta. Essas oportunidades eram mantidas em segredo - imagina se minha mãe lesse qualquer um dos meus textos? Seria o fim! (Ela leu vários e vários sem que eu descobrisse, tenho certeza). Meus amigos então, nem se fala! Os textos eram meus, só meus e de mais ninguém. Sendo assim, eu não precisava me afirmar e muito menos declarar meu ponto de vista sobre absolutamente nada em meus textos. Ao contrário do que acontece hoje, eu não precisava dispor de uma opinião formada e não tinha a necessidade de fazer com que as pessoas entendessem minhas escritas. A verdade é que eu adorava passar para o papel tudo aquilo que fornicava minha cabeça mas ainda não era signo. Ressignificar o que já era indubitável me parecia divertido e abria espaço para que mais possibilidades de escrita surgissem. Meus textos eram uma bagunça gigantesca, mas pelo menos eles existiam.

Foto: Jacques-Henri Lartigue

Talvez pelo estilo de vida que se construiu em torno da internet e das redes sociais, talvez por influência da redação publicitária, talvez por egoísmo. Voltar a escrever sem o objetivo de ser aceito, ser querido, ainda me parece distante. A verdade é que a gente cresce aprendendo a escrever para comunicar da melhor maneira possível, para se fazer entender. O ENEM, por exemplo, já chega como uma bomba exigindo uma dissertação repleta de provas, argumentos e exemplos. Infelizmente, essa necessidade constante de construir narrativas que surpreendam e que tenham uma relevância nos aprisiona ao “normal” e nos deixa frustrados até mesmo quando o objetivo de escrever é simplesmente  passar o tempo. Assim, essa vontade tão simples de escrever, acaba nos abafando e fazendo a gente se jogar em um mar de ansiedades por não conseguir conquistar objetivos que poderiam ser tão simples.

Se sentir confortável escrevendo, fazer as coisas pelo simples prazer de ter o prazer é difícil, porque a gente sempre cai na armadilha de repetir o padrão. Talvez o segredo seja apenas compreender que é justamente dentro da imensidão dos nossos olhares únicos que residem as mais belas histórias e os lamentos tão incompreendidos. E que, às vezes, é melhor não seguir regras.






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1 comentários

  1. seu texto me foi um alento e um incentivo. quando mais nova também escrevia o que me vinha à cabeça, hoje não consigo mais; por questão de opinião e auto-afirmação, me podei. estou tentando florescer minha liberdade de escrita novamente, para fugir dos textos técnicos e distantes do sentimento, racionais demais.

    vou salvar esse link para textos futuros!

    Helen
    um velho mundo

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